Andrea Navarro, designer de interiores:"Os clientes costumam se guiar pelo que veem nas redes sociais e correm o risco de ter casas frias e impessoais"
- Davi Nogueira
- 4 de jul.
- 4 min de leitura
Estamos decorando para viver ou para exibir? Essa é a pergunta que surge depois de alguns minutos fazendo scroll nas redes sociais. Conheça a visão de uma especialista sobre a influência digital na percepção do design de interiores.

O algoritmo das redes sociais não mente: ele nos mostra o que buscamos, o que gostamos ou o que poderia eventualmente nos interessar. Plataformas mais visuais como Instagram, TikTok ou Pinterest fixaram em nossas mentes uma ideia limpa e ultraestética do que é design e, especialmente, do que é decoração de interiores. Basta um "passeio" rápido por essas redes para perceber que tudo parece saído de uma revista: fotos exageradamente editadas, ambientes dignos de um museu e móveis sem qualquer sinal de uso. A influência das redes na forma como percebemos os espaços ao nosso redor é evidente. Por isso, surge uma pergunta importante: estamos decorando nossos lares para viver ou para mostrar?
Para refletir sobre isso, nada melhor do que ouvir uma profissional da área. Conversamos com a designer de interiores Andrea Navarro e conhecemos sua visão. A seguir, ela compartilha seu ponto de vista e dá conselhos sobre como evitar um erro comum ao se inspirar (demais) no interiorismo aesthetic das redes sociais: perder a autenticidade.

Uma influência que penetra fundo
• Como designer de interiores, como você percebe a influência das redes sociais e das plataformas de inspiração na maneira como hoje entendemos a decoração?
"Assim como em muitos outros âmbitos, as redes sociais mudaram a forma como nos relacionamos com os espaços. O design de interiores e a decoração deixaram de ser uma ferramenta para promover bem-estar nos ambientes que habitamos e passaram a buscar o resultado de uma imagem idealizada.

A estética deixou de ser uma experiência individual, única e criativa para se tornar uma linguagem universal que, muitas vezes, apaga referências culturais ou pessoais: tons bege e branco usados de forma generalizada, móveis modulares que ‘encaixam’ em qualquer lugar, formas cada vez mais minimalistas, e por aí vai.
Por sorte, nem tudo o que se tira dessa experiência é negativo. A influência das redes sociais despertou um interesse e uma sensibilidade estética que nunca tivemos antes, o que nos dá a chance de repensar essa estética global para criar experiências únicas e pessoais, que realmente importem e agreguem valor à vida cotidiana nos espaços que habitamos."

• Você percebe que muitos clientes chegam com ideias fortemente influenciadas pelas redes sociais?
"De modo geral, os clientes costumam se inclinar por coisas que viram nas redes, seja um estilo específico ou ambientes com funções muito bem definidas. Mas, muitas vezes, há muita confusão exatamente por causa disso: excesso de referências, imagens e um bombardeio constante do que está ‘certo’ ou ‘na moda’.
Nesse estágio inicial, em que há essa confusão, muitas vezes nem sequer se perguntaram se aquela estética se adapta ao seu estilo de vida, rotina ou identidade.
Nossa missão é filtrar toda essa informação para encontrar a essência do que o cliente realmente deseja, qual sensação ele quer experimentar ao abrir a porta de casa todos os dias, identificar seu estilo e eliminar o ruído para criar um espaço pessoal, íntimo e que fale sobre quem vive ali."
• Você acredita que estamos perdendo autenticidade ou funcionalidade em troca do que é visualmente mais aceito?
"Existe, sim, uma tendência de seguir o que consumimos nas redes. E não falo só de decoração — falo de moda, hábitos, estilo de vida... Vejo com frequência pessoas escolhendo peças, elementos ou recursos que ficam bem na foto, mas que não são práticos ou até desconfortáveis. Dá-se preferência a um canto bonito, mas pouco funcional, colocando a estética acima da funcionalidade — quando os dois deveriam caminhar juntos.
Só porque algo ‘está na moda’ não significa que precisamos nos identificar com aquilo. Mas é difícil resistir à tentação de seguir a corrente. E, embora possa funcionar para alguns, corremos o risco de criar espaços frios e impessoais.
Nesse sentido, acredito que devemos recuperar espaços vibrantes, lugares que contem histórias, que transmitam prazer e alegria. A autenticidade corre o risco de desaparecer se tudo for pensado para o algoritmo e não para a experiência humana."
• Como você equilibra o que “fica bem na foto” com o que realmente funciona no dia a dia?
"Para mim, a chave está em perguntar: que atividades, experiências e sensações você quer cultivar no seu dia a dia? A estética deve ser uma ferramenta, não um objetivo. Observar a funcionalidade, os fluxos e os rituais que ocorrem em cada espaço é o ponto de partida para reinterpretar os elementos decorativos sem sacrificar o conforto ou a autenticidade."

• Você acredita que essa tendência está mudando a forma como entendemos o design de interiores e o que significa ter um estilo próprio?
"Sem dúvida. Hoje, o design de interiores muitas vezes é entendido como uma cópia, e não como uma busca pessoal. Isso nos levou a uma certa homogeneização dos ambientes, mesmo que eles estejam em países diferentes. O risco de usar apenas o que vemos nas redes como referência é acabar habitando versões diferentes da mesma imagem.
Se olharmos para o passado, veremos um contraste enorme: casas cheias de objetos com história, móveis herdados, coleções, lembranças de viagens ou até peças feitas à mão. Eram espaços profundamente pessoais, talvez imperfeitos, mas cheios de alma.
Como designer de interiores, acredito que nosso papel é valorizar novamente o que é autêntico, artesanal, vivido — e até imperfeito. Reivindicar que um lar não precisa ser uma vitrine ou um cenário. Ele deve ser honesto, real e refletir a essência de quem vive ali."
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